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Quando era miúda, já não gostava muito de moda. O que eu gostava era de vestir umas calças de ganga, calçar umas sapatilhas (sim, “ténis” é um desporto) e ir jogar futebol com os rapazes.
Lembro-me como se fosse hoje de um dia de chuva, na altura da escola primária, em que ignoramos as ordens da funcionária e fomos para o campo jogar. Chegamos todos encharcados à sala de aula, e ficamos de castigo. A surpresa do dia foi que eu estivesse lá também. A miúda “bem comportada” a fazer o que não devia. Fiquei envergonhada: hoje lembro-me com clareza da cara de reprovação da professora a olhar para mim.
O que eu queria era ter uma bola nos pés para me divertir. O gosto pelo futebol veio-me de casa. Com irmão e pai ferrenhos pelo Porto, desde cedo tive curiosidade sobre todo aquele mundo. Lembro-me dos cromos que o meu irmão guardava, o Folha, o Peixe, o Secretário, o Drulovic. Das idas às Antas com o meu pai. De ele ter esquemas preparados para deixar o carro estrategicamente próximo. O estádio coberto de azul, as músicas em coro, os abraços aos desconhecidos. Nos lugares cativos daquela bancada, todos se conheciam. Mesmo não sabendo os nomes uns dos outros, todos partilhavam a mesma paixão.
Eu, com a minha camisola do Porto, vibrava com aquele ambiente, apesar de me intrigar como é que aquela gente conseguia ver bem o jogo e conhecer os jogadores àquela distância. Concentrava-me em seguir o ponto branco no relvado, e decorava a baliza em que tínhamos que marcar. Depois, era acompanhar a alegria do meu pai e das pessoas à minha volta.
Lembro-me de algumas músicas. Uma delas, que não me esqueço, era assim: “Ele é o nº 10 e finta com os dois pés, é melhor que o Pelé, é o Deco allez allez". Foram os tempos áureos do Porto, e eu ia ao estádio para vê-los ganhar. Certinho como dois mais dois serem quatro. Lembro-me do bi, do tri, do tetra, do penta. Foi à custa do FC Porto que aprendi estas palavras.
Na altura da vitória da Liga dos Campeões, em 2004, eu já começava a descobrir que havia vida para além do futebol, mas ainda vivi intensamente toda aquela alegria.
É por isso que o jogo de despedida do Deco, que vi em casa, num streaming rasca, me fez lembrar tantas alegrias de infância. Quando, aos 14 minutos, Benny McCarthy marcou o segundo golo do Porto, com a assistência do “Mágico”, cantei interiormente esta música, com uma letra nossa, em coro com o estádio.
Também por isso me ri tanto com as prestações de Jorge Costa e Jorge Andrade, que apesar da barriga conseguiram ser agressivos como sempre. Com a seriedade do Fernando Santos, que parecia estar a jogar a final do Mundial. Com a genica do Secretário, a dar o tudo por tudo para mostrar que não está velho. Com o pedido de desculpas sentido do Deco, quando marcou um golo com a camisola do Barcelona.
Mas o mais bonito foi o último golo, da autoria do “Mágico”, com Baía a ajudar e a não se esforçar muito para o apanhar. O facto de o jogo ter acabado ali, para que o público guardasse esta última imagem, do “seu” Deco a brilhar uma última vez.
Também eu quis pôr-me de pé a aplaudir tamanho amor à camisola. Deco desfez-se em agradecimentos e percorreu com a família a sua casa, uma última vez. Todos agradecidos, os adeptos pela magnífica carreira e entrega que aquele jogador nos deu, Deco pelo carinho e pelo respeito. Mas não dá para não respeitar um jogador assim.
Isto sim, foi um espetáculo de futebol. Golos bonitos, camaradagem, generosidade. Foi bonito de se ver. É isto que guardamos do futebol. Não são as guerrinhas entre clubes, é esta paixão indescritível e esta nostalgia. Não se explica: vive-se e celebra-se.
Obrigada, Mágico Deco.
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